Propaganda deve ter apelo, mas precisa ser coesa e acertar no timing

Recentemente o governo brasileiro virou manchete ao usar a frase “O Brasil voltou, 20 anos em 2”, pois para bom entendedor a mensagem dada foi a de retroceder, de retornar ao passado. Ou seja, em apenas 2 anos de governo, Temer teria conseguido que o Brasil retrocedesse 20 anos no tempo. Uma proeza!

A pergunta que fica é, quem revisou o texto? Por quantas pessoas a frase rodou até ser finalmente usada? Ninguém teve a chance de questionar que da forma como estava escrito, poderia ser considerada no mínimo dúbia?

Ato falho ou não, o fato é que a publicidade está cheia de exemplos onde mesmo com toda a estrutura disponível das grandes agências, parece que sempre haverá espaço para ocorrências que, por algum motivo, só serão notadas pelo público após o lançamento das campanhas.

Em março deste ano, o McDonald’s no Brasil selecionou 20 lojas da rede que, naquela data – Dia Internacional das Mulheres – operariam com efetivo 100% feminino. Não demorou para que muitos acusassem a lanchonete do Ronald McDonald de promover o machismo, dando folga aos homens justo no dia da mulher. Claro que a rede se explicou, dizendo ter apenas realocado os funcionários homens para outras lojas naquele dia. Mas não deu muito certo e o estrago já estava feito.

Melhor timing teve a loja de Lynwood, na Califórnia (EUA) que inverteu o tradicional arco dourado em formato de M, transformando-o em W (de women), em bela e justa homenagem. Só recebeu elogios!

E o que dizer sobre o que aconteceu com a agência de publicidade Neogama e a Santher, fabricante do papel higiênico Personal, que estiveram sob os holofotes, mas não de maneira positiva? Tudo por causa do lançamento da época, um papel (higiênico) na cor preta, cuja utilidade prática ainda não foi explicada. Isso por si só não faria do produto – Personal Black – e sua campanha um problema, mas sim que, para divulgarem a novidade nas redes sociais lançaram mão do slogan BLACK IS BEAUTIFUL em texto corrido e também na forma de hashtag – #BlackIsBeautiful .

Bastava usar o Google, ou o Bing, ou o Facebook, ou até mesmo a memória de alguns mais velhos, para entender que a consequente avalanche de reclamações que viria a seguir estaria muito bem fundamentada no movimento negro, que desde os nos 60 usava o slogan para enaltecer a beleza afro, em um mundo que ainda teima pateticamente em formas – antes explícitas e atualmente veladas – de racismo.

 

Alguns dirão que casos assim se dão pela forma desigual com que o mercado publicitário trabalha, já que destina verbas altas para o cachê de atrizes globais como Marina Ruy Barbosa e fotógrafos badalados como Bob Wolfenson. Não existe nada de errado nisso, mas nem sempre as categorias de base recebem o mesmo tratamento, muitas vezes tendo de finalizar campanhas em tempo recorde e com equipes reduzidas. E todos sabem que a pressa não necessariamente acompanha a perfeição.
Talvez algum um dia, em algum livro de bastidores, poderemos saber o que de fato aconteceu nos bastidores dessa campanha tão confusa.

Outra campanha – esta um pouco mais antiga – que não custou barato, foi a da Publicis para o analgésico contra cólicas Novalfem, estrelado por Preta Gil. A polêmica foi que as peças associavam o estado característico com que as mulheres passam durante aquele período complicado do mês ao termo “MIMIMI”. Caro leitor, tente falar de mimimi para uma mulher passando por fortes dores de cólicas menstruais e volte aqui para nos dizer o que aconteceu.

Com a campanha, aconteceu o esperado. Ela foi cancelada, dada a repercussão totalmente negativa. Talvez um “mimimi” que nem mesmo o Novalfem pudesse conter. No final, saiu caro.

Até quando não existe envolvimento em qualquer tipo de polêmica real, uma campanha pode sim ter efeitos negativos. Como foi o caso da Renault, que ao divulgar sua picape Duster Oroch nas redes sociais, parece não ter se atido nem um pouco com a forma com que o público receberia sua mensagem. Afinal, apesar de o texto do post fazer alusão à capacidade de carga do veículo, que “oferece muita força na hora de pegar pesado” – diz a peça –  a imagem escolhida para a publicação mostrava uma Oroch carregada sim, mas com alface. Eram quatro caixas bem cheias, mas cujo conteúdo certamente poderia ser levado em um simples Clio.

 

Teria sido um desencontro entre redator e diretor de arte? Também não sabemos. O certo é que algo postado no Facebook, Instagram ou Twitter, dificilmente passa despercebido.

O que tiramos de lição disso tudo é que não basta estar presente na mídia, é preciso que essa presença seja bem aproveitada, de forma não apenas criativa, mas também respeitando a inteligência do público, cada vez mais conectado.
Usar a comunicação tal qual estivéssemos em uma ilha é um erro não mais perdoável nos dias de hoje, onde a informação está em nossos bolsos, a um clique de nossos smartphones.

O Marketing Digital não é apenas um mero apoio para mídias como TV e revistas. Ele é tão ou mais importante que a campanha final. E para todas as etapas se faz necessário um bom planejamento.
E se é para ser global ou 360, como dizem alguns, que sejamos com inteligência.
Ou logo voltaremos 20 anos em 2.